Pero Vaz de Siqueira

mercador e armador nas rotas orientais * Esta é uma versão editada de um artigo publicado na https://1library.org/document/z3no6wmq-pero-vaz-siqueira-mercador-armador-nas-rotas-orientais.htm

Leonor Diaz de Seabra, PhD

      

Maria de Deus Manso, PhD

Universidade de Macau  Universidade de Évora

1. Introdução

Macau ficou conhecido, na História, como o estabelecimento ocidental mais antigo em território chinês, desde meados do século XVI até finais do século XX, sendo considerado um porto livre, económico e cultural, na China.

Os Portugueses estabeleceram-se em Macau no século XVI. Nessa época, a China fechou ainda mais as suas portas às relações externas. Os Portugueses tiraram proveito do seu estabelecimento em Macau durante as suas descobertas e expansão para o Oriente, tornando-o um importante centro de comércio da Rota da Seda Marítima, nos séculos XVI e XVII, unindo Macau à Coreia e Japão, no Norte, ao México e continente americano através de Manila, no Oriente, ao Sião, Camboja, MalacaMalacca, MacassarMakassarA capital da província indonésia de Sul de Sulawesi, FloresFlores Um grupo de ilhas na Indonésia, SolorUm grupo de ilhas na Indonésia Solor e TimorTimor1, no Sul, e, através de GoaGoa, com a África e Europa, e da Europa para a costa oriental da América Central e do Sul, inclusive o Brasil. Foi através de todas estas ligações, que um comércio marítimo global começou a ganhar forma, no que pode ser considerado o primeiro passo da globalização.

A importância de Macau no império marítimo português, que se prolongava desde a África, o litoral do Oceano Índico, as ilhas das especiarias, e a costa da China até ao Japão, assim como a vitalidade das actividades comerciais, e, nalguns casos missionárias, dos Portugueses, em locai, tais como, o Cambodja, Patane, Sião, SundaSundaIslands, Bornéu, Timor, TidoreTidore e Solor, e as fortalezas e entrepostos, de Goa e Malaca, como também o esplendor inicial da cidade de Macau, é uma constante até ao século XVII 1Leonor Diaz de Seabra, A Embaixadaao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686), Macau, Universidade de Macau, 2003, p. 24..

Durante as últimas décadas do século XVI, Macau, juntamente com Malaca, surgia como o destino mais importante e entreposto comercial de produtos exóticos e tropicais, tais como, pimenta, cravo-da-Índia, noz-moscada, incenso, sedas, prata, etc.. As viagens iam de Bengala, Martaban(Mottama) Uma cidade no oeste da Birmânia (Myanmar)., TenassarimUma ilha no sul da Birmânia (Myanmar), ao Cambodja, Sunda, Bornéu, Solor e Timor, etc., e, todas rendiam anualmente à Coroa portuguesa, em Macau, milhares de cruzadosCruzado_Ouro_D._ManuelPor JFVP - Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=5331671. Há a acrescentar, ainda, a viagem complementar do Sião ordenada por Portugal, nomeadamente nos anos 80 de 1500, que encaminhava as mercadorias oriundas do Sião, de AyuthiaO nome de um estado tailandês e também de sua capital. até ao Japão, via Malaca.

Sabe-se que o comércio português, no Japão, a partir de meados do século XVI coincidiu com a descoberta de grandes jazidas de prata, cobre e ouro nesse país. No final do século XVI, o fornecimento de seda crua e ouro em troca de prata dominava o comércio. Na década de 30 de seiscentos, as exportações de ouro eram menos significativas do que as de seda.2 Charles Boxer, Fidalgos no Extremo Oriente(1580-1770), Macau, Fundação Oriente/Centro de Estudos Marítimos, 1990, pp. 26-29 e 43-44.

Os mercadores portugueses começaram a fornecer os produtos da China ao Japão nos anos 40 do século XVI. Na década seguinte, Portugal surge como o intermediário-chave no comércio entre a China e o Japão (e o Sião-Japão), especialmente a partir da altura em que a China proibiu o contacto directo com os mercadores japoneses, na sequência da actividade dos wako (piratas japoneses) na costa de Fujian. Até 1639 - quando o Bakufu ("governo cortina" ou ditaduramilitar estabelecida por Tokugawa Ieyasu, em 1603)promulgou a "lei da expulsão", que assinalaria o fim do comércio português no Japão - a população de Macau, bem como a Coroa, prosperou muito com este comércio.

Nos inícios do século XVII, a posição privilegiada dos Portugueses no comércio do Japão, começou a ser ameaçada pela chegada dos Ingleses e Holandeses e, em menor escala, dos Espanhóis. Com início em 1599, isto é, cerca de quarenta e cinco anos depois do estabelecimento de Macau, navios holandeses começaram a aparecer ao largo da costa. Os Holandeses ao quererem capturar Macau, Malaca e Nagasaki desejavam interceptar o altamente rentável comércio da prata3 Leonor Diaz de Seabra, A Embaixadaao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686), Macau, Universidade de Macau, 2003, p. 24. .

Macau era, essencialmente, uma comunidade comercial, mas a sua situação no ciclo económico e na conjuntura política, tornou-o um centro de actividade internacional - China e Japão - e nacional, na complexidade das relações das duas potências ibéricas, com interesses opostos mas unidas na pessoa do mesmo soberano: a Espanha e Portugal; as Índias Orientais e as Ocidentais; Goa - Manila - Malaca - Macau 4 Leonor Diaz de Seabra, op. cit., p. 25. .

A agravar esta complexidade, o problema religioso. A cidade era base da expansão do Padroado Português do Oriente - China, Japão, Sudoeste Asiático, o TonquimUm termo para a região norte do Vietname, a Cochinchina, o HainanHainan, o Camboja e o Sião - rival do Padroado da Coroa Espanhola, que através das Filipinas pretendia lutar contra a hegemonia portuguesa naquela região. Como resultado, a rivalidade traduzia-se também na luta entre as ordens religiosas: Jesuítas, Franciscanos, Agostinhos e Dominicanos. Os primeiros estavam firmemente instalados em Macau e no Japão, resistindo tenazmente à penetração dos restantes com base nas Filipinas 5 Charles Boxer, A Igreja e a Expansão Ibérica (1440-1770), Lisboa, Edições 70, 1990, pp. 98-99. .

Assim, de comunidade comercial, de início, Macau passou a ser importante centro de política geral, base para a expansão e orientação religiosa, disputada por dois interesses nacionais antagónicos - o português e o espanhol - e pela rivalidade das ordens religiosas 6 Geoffrey Gunn, Ao Encontro de Macau: uma Cidade-Estado na Periferia da China (1557-1999), Macau, CTMCDP/Fundação Macau, 1998, pp. 44-46. .

Comercialmente estava na confluência dos interesses económicos ligados ao maior mercado do Oriente - a China - e a fonte mais desejada da prata - o Japão. Era o porto indispensável para a navegação portuguesa da Índia e de Malaca para a China e para o Japão, tendo que assegurar a regularidade dos fornecimentos da seda adquirida nas feiras de Cantão, para que a viagem para o Japão se processasse com normalidade, e dos abastecimentos, para que a viagem nos dois sentidos, pudesse ter apoio logístico e técnico 7 Manuel Lobato, Política e Comércio dos Portugueses na Insulíndia: Malaca e as Molucas de 1575 a 1605, Macau, Instituto Português do Oriente, 1999, pp. 255-267. .

Com o final do comércio do Japão, em 1639, e a ascensão do poder comercial e naval dos Holandeses nos mares orientais, os comerciantes portugueses tiveram de fazer alguns ajustamentos nas suas rotas comerciais. Na década de 1630, em especial, o comércio de Macau floresceu, principalmente, em três zonas: Macassar, Manila e Vietname ( TonquimUm termo para a região norte do Vietname e CochinchinaUm nome histórico para a região do Vietname ao sul do rio Gianh.) 8 Benjamim Videira Pires, A Vida Marítima de Macau no Século XVIII, Macau, ICM/Museu Marítimo, 1993, p. 13. .

Com o encerramento do comércio entre Portugal e o Japão, o comércio com os portos do Sul assumiu, portanto, uma nova importância. A rota Macassar-Flores-Solor-Timor, embora sob pressão intensa dos Holandeses, tornou-se objecto de um comércio lucrativo em produtos como o sândalo e as especiarias 9 Benjamim Videira Pires, A Vida Marítima de Macau no Século XVIII, Macau, ICM/Museu Marítimo, 1993, pp. 14-29..

Entre 1665 e 1682, os comerciantes portugueses e chineses de Macau desenvolveram o comércio de porcelana azul e branca produzida em Yaoping, na parte nordeste de Guangdong, com Batávia (Java).

Nos finais da década de 1660, as autoridades chinesas da dinastia Qing (manchú) deram ordens ás populações costeiras para se retirarem para o interior, devido aos ataques de CoxingaUm general leal Ming que resistiu à conquista Qing da China no século 17, lutando contra eles na costa sudeste da China., lealista e partidário dos Ming 10 Beatriz Basto da Silva, Cronologia da História de Macau (Séculos XVI-XVII), Macau, Dir. Serv. Educ. de Macau, 1992, pp. 132-136. . Isto significaria o fim de Macau, e, em 1664, o Capitão-Geral Manuel Coelho da Silva, pediu a D. Afonso VI o envio de uma embaixada à Corte de Pequim 11 Manuel Teixeira, Macau no Século XVII, Macau, Direcção dos Serviços de Educação e Cultura, 1982, p. 106. .

Em 1667, o embaixador Manuel de Saldanha encontrava-se já em Macau a preparar a embaixada para seguir para Pequim (via Cantão, como era hábito e o exigia o protocolo chinês) 12 Fernando Correia de Oliveira, 500 anos de Contactos Luso-Chineses, Lisboa, Público/Fundação Oriente, 1998, pp. 67-75. .

Em 1669, com a expulsão de Coxinga e a sua retirada da Formosa (donde expulsara os Holandeses, em 1662), as autoridades chinesas retiraram a imposição de deslocar as populações para o interior. A embaixada de Saldanha chegou a Pequim em 1670, mas, apesar de bem recebida, não teve qualquer efeito prático. O mesmo aconteceu em 1678, com a missão diplomática de Bento Pereira de Faria, que levou um leão de presente ao Imperador, o que foi muito apreciado 13 Charles Boxer, Dutch Merchants and Mariners in Asia (1602-1795), London, Variorum Reprints, 1988, pp. 30-46. .

Segundo Subhramanyam, o objectivo destas embaixadas não era apenas assegurar os privilégios de Macau, mas assegurar que a embaixada holandesa (1666-1668) não obtivesse sucesso 14 Sanjay Subrahmanyan, O Império Asiático Português 1500-1700: Uma História Política e Económica, Lisboa, DIFEL, 1995, p. 298..

É de notar que, neste aspecto, tal como na diplomacia com o Cambodja, Vietname e Sião, os Portugueses em Macau dispunham de um razoável grau de autonomia de Goa.

Em 1685, o Imperador K`ang Hsi publicou um decreto imperial que determinava a abertura do porto de Cantão a estrangeiros, pelo menos uma vez por ano, durante a feira anual 15 Beatriz Basto da Silva, Cronologia da História de Macau (Séculos XVI-XVII), Macau, Dir. Serv. Educ. de Macau, 1992, p. 140. .

Macau perdeu, assim, o papel de entreposto comercial exclusivo e os Portugueses deixaram de ser os únicos intermediários no comércio da China.

Contudo, as suas actividades comerciais iriam continuar, agora para outras zonas, pois os mercadores independentes de Macau vão procurar novos mercados e novos procutos.

2. Pero Vaz de Siqueira:    biografiaRef: Leonor de Seabra A Embaixada ao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686)

Pero Vaz de Siqueira era natural de Macau, fidalgo-cavaleiro e filho de Gonçalo de Siqueira de Sousa, capitão-de-mar-e-guerra. Gonçalo de Siqueira de Sousa era de origem reinól e participou, em 1614, numa armada, para transporte de tropas espanholas, de Cadiz para Manila, sob o comando de seu pai, Rui Gonçalves de Sequeira (que fora capitão das Molucas de 1598 a 1603) 16 Manuel Teixeira, Marinheiros Ilustres relacionados com Macau, Macau, Centro de Estudos Marítimos de Macau,1988, pp.46-47. . Isto explica-se pelo facto de, nesta época, Portugal se achar debaixo do domínio filipino.

Após o falecimento de seu pai, em 1619, regressou a Portugal, e, como recompensa dos seus serviços, foi nomeado capitão do galeão Misericórdia, partindo de Lisboa para Goa, em 1621, onde não chegou devido a uma tempestade. A partir daqui, realizou várias viagens, sempre com o posto de capitão, o que lhe permitiu um profundo conhecimento dos mares, não só ocidentais como orientais 17 Manuel Teixeira, Vultos Marcantes em Macau, Macau, Direcção dos Serviços de Educação e Cultura, 1982, pp. 65-66. .

Em 1644, Gonçalo de Siqueira de Sousa foi nomeado embaixador ao Japão; embaixada esta que fora sugerida dois anos antes pelo Pe. António Cardim, Procurador-Geral da Província Jesuítica do Japão, com o objectivo de tentar reabrir o comércio japonês, que acabara em 1639, com a expulsão dos Portugueses 18 Embaixada de Portugal ao Japão em 1647: relação Inédita anotada por C. R. Boxer, Macau, Imprensa Limitada, 1928, pp. 5-15. .

Foi esta a primeira embaixada enviada a esse país por um país europeu, mas o Shogu

Pero Vaz de Siqueira acompanhou seu pai nessa missão ao Japão (1644-47), tendo regressado com ele a Goa, em 1648. Após a morte de Gonçalo de Sousa, em 1649, terá regressado ao Reino. De 1657 a 1669 serviu na Armada do Estado da Índia, tendo tomado parte na reconquista de Coulãoporto indiano na costa de Malabar e na defesa de Cochim(Kochi) uma cidade no estado de Kerala, no sul da Índia (em 1657 e 1663).

A sua carreira na Índia terminou quando desempenhava, em MuscateMuscat, as funções de capitão da frota da Coroa. Chegou a Macau no princípio da década de 1670, onde se fixou e casou com Ana Maria de Noronha, pertencente a uma família proeminente da sociedade local e de comerciantes ricos 19 George Bryan Souza, A sobrevivência do Império: os Portuguesses na China (1630-1754), Lisboa, Publicações D. Quixote, p.62. . Esta seria irmã de D. Catarina de Noronha, que, por sua vez, era filha de D. António Manuel de Noronha, governador de Macau entre 1630 e 1636, e casara com um rico mercador, Francisco Vieira de Figueiredo, grande proprietário de navios 20 Charles Boxer, Estudos para a História de Macau (Séculos XVI-XVIII), 1º vol., L.isboa, Fundação Oriente, 1991, pp. 222-223. .

Franscisco Vieira exercia funções de Capitão-Geral dos Mares do Sul, com poderes judiciais e administrativos sobre todas as comunidades portuguesas existentes a Oriente de Malaca, com excepção de Macau. Após a conquista de Malaca pelos Holandeses, em 1641, transportou a comunidade portuguesa nos seus navios para Macassar, que se transformou num importante entreposto comercial e económico. Vieira negociava não só com Macau, Cambodja e o Sião, mas também com Timor, Solor e até com Manila 21 Charles Boxer, Francisco Vieira de Figueiredo: A Portuguese Merchant Adventurer in South East Asia (1624-1667), Gravenhage, Martinus Nijhoff, 1967, pp. 48-49. .

Mas, em 1660, os Portugueses foram expulsos de Macassar pelos Holandeses e, mais uma vez, os navios de Francisco Figueiredo transportaram os Portugueses não só para Macau e Timor, como para o Sião e outras localidades. Porém, 10 ou 12 dos mais ricos, incluindo Francisco Vieira de Figueiredo, ainda ficaram em Macassar, com a protecção do rei, o Sultão Hassan Udin 22 Charles Boxer, Francisco Vieira de Figueiredo e os Portugueses em Macassar e Timor na época daRestauração, Macau, Escola Tipográfica do Orfanato Salesiano, 1940, pp. 1-8.

Em 1661, Figueiredo partiu para Goa e, no regresso a Timor, fez escala em Macau, onde então casou com D. Maria Catarina de Noronha, que acompanhou o marido até Macassar. Em Fevereiro de 1665, Figueiredo partiu definitivamente, com sua mulher, Catarina de Noronha, para LarantucaLarantuka, na Ilha das Flores, perto das ilhas de Solor e Timor. Aí faleceu em 1667, ficando a sua viúva ainda em Larantuca, para finalizar os negócios de seu marido. 23 Ibidem.

D. Catarina regressou a Macau em 1670, no seu navio Nossa Senhora de Rozario e Almas do Purgatorio, mantendo-se em actividade nos negócios por vários anos. Veio a falecer em Macau, em 1701, como o comprova a carta do Padre Miguel do Amaral, S. J., Procurador Geral da Província do Japão, que certifica ter recebido do seu testamenteiro, Pero Vaz de Siqueira, o que a dita senhora deixara à Igreja, por sua morte 24Jesuítas na Ásia, Códice 49-V-24, de 23 de Junho de 1701, fl. 9. .

Era aquela "senhora de grandes cabedais" como se depreende da correspondência trocada entre o embaixador à China, Manuel de Saldanha, em Cantão, e o Leal Senado, assim como com o Capitão-Geral de Macau, D. Álvaro da Silva. Inclusivamente, aquele embaixador chega a ordenar ao Senado que mande um navio buscar D. Catarina "que é grande bem para esta cidade a qual pode ajudar muito e o serviço de El-Rey com seu cabedal (...)" 25 AHG, Arch. Vol. 1210 - Embaixada à China,1669, fls. 44-50. V. Leonor Diaz de Seabra, A Embaixadaao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686), Macau, Universidade de Macau, 2003. .

Bryan de Souza diz que a sua "participação directa e o papel activo que desempenhou como armadora foram únicos para uma mulher em Macau" 26 George Bryan Souza, A Sobrevivência do Império: os Portuguesses na China (1630-1754), Lisboa, Publicações D. Quixote, p.52. .

Entre os anos de 1660 e os de 1680, Macau comerciava com o Sião e com os barcos da Coroa siamesa, os quais faziam escala em Macau, algumas vezes, onde adquiriam provisões, carregamentos e contratavam marinheiros. O próprio reembolso do empréstimo feito pelo rei Phra Narai, do Sião, ao Senado de Macau, em 1669 - a pedido deste, para custear as despesas da embaixada de Manuel Saldanha ao imperador da China, por se encontrar "esgotado de recursos" - foi feito no decurso do comércio directo de Macau para Ayuthia. A partir da década de 1690, os Portugueses de Macau fizeram reembolsos deste empréstimo à Coroa siamesa através do pagamento dos direitos alfandegários dos barcos da Coroa siamesa em Cantão e despachando a bordo dos mesmos barcos pagamentos em espécies, nomeadamente em seda, ao regressarem à rota Cantão-Macau-Ayuthia. Finalmente, em 1722 foi paga a última prestação desta dívida 27 Leonor Diaz de Seabra, Relações entre Macau e o Sião (Séculos XVIII-XIX), Macau, Universidade de Macau, 1999, p. 8..

Pero Vaz de Siqueira , nos fins da década de 1670 e por toda a década de 1680, fazia comércio com os seus navios para Banjarmassima city in South Kalimantan, Indonesia, Timor, Batávia e Sião. E, por volta de 1683, a Coroa e o Senado de Macau escolheram alguns casados para dirigirem embaixadas a alguns países da Ásia do Sueste, com vista a melhorar as suas relações comerciais. Foi assim que, em 1684, Pero Vaz de Siqueira foi enviado, de Macau ao Sião, pelo Vice-rei da Índia, D. Francisco de Távora, 1º Conde de Alvor, numa missão com objectivos comerciais, que parece não ter obtido o apoio do rei siamês, Phra Narai, pois as pretensões dos moradores de Macau - que pretendiam participar no comércio marítimo com o Japão através da Coroa siamesa - poderiam pôr em risco o próprio comércio siamês com o Japão. Além disso, era cada vez maior a influência dos Franceses no Oriente, através das Missões Estrangeiras de Paris, que tinham o apoio da Propaganda Fide. No Sião, o ministro do Rei Phra Narai, Constantino Falcão, nutria especial simpatia por aqueles, pelo que a intromissão do Vigário Apostólico do Sião, Mons. Louis Laneau, das Missões Estrangeiras de Paris, ajudado pela conivência de alguns Portugueses radicados no Sião, fizeram fracassar os esforços de Pero Vaz de Siqueira, que regressou a Macau 28 AHG, Arch. Vol. 58 - Monções doReino, vol. nº 51 A. . V. Leonor Diaz de Seabra, A Embaixadaao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686), Macau, Universidade de Macau, 2003. .

Em 1685 os moradores de Macau recolheram uns japões que naufragaram e aproveitam a oportunidade para enviarem ao Japão um barco com esses japoneses e, ao mesmo tempo, tentarem novamente reatar o comércio com aquele país. Mas não havia mais nenhum navio, no porto de Macau, a não ser o navio S. Paulo, de Pero Vaz de Siqueira - regressado da missão diplomática ao Sião - que se estava a preparar para partir para Manila, pelo que este logo ofereceu o seu navio e dispôs-se a pagar parte das despesas resultantes dessa viagem (3/4), sendo o restante suportado pelo Padre Procurador da Província do Japão. Os Portugueses, tal como na embaixada anterior, nunca foram autorizados a desembarcar em Nagasaki e foram mandados regressar, com o aviso de que "não pensasse o governo de Macau em mandar novo barco...", e só lhes foram poupadas as suas vidas por terem levado de regresso os doze japoneses 29 Ana Maria Leitão, "Os Portugueses e o termo das Relações Comerciais com o Japão: Tentativas de Reaproximação e Substituição", in O Século Cristão do Japão, Actas do Colóquio InternacionalComemorativo dos 450 anos de Amizade Portugal-Japãop (1543-1993), dir. Roberto Carneiro e artur Teodoro de Matos, Lisboa, 1994, p.228..

Pero Vaz de Siqueira continuou a desenvolver os seus negócios com o navio Rosário, de que era proprietário, para além do S. Paulo, fazendo viagens para Manila, Sião, entre outros portos, nos Mares do Sul da China. Em 1687 há uma carta do Vice-Rei D. Rodrigo da Costa, para Pero Vaz de Siqueira, dizendo: "Em hua das ditas cartas se justifica VM sobre as viagens da sua fragata pª Manila e da nao de sua cunhada pª Timor e por o Sr conde do Alvor ter entendido que a protejam..." 30 AHG, Arch. Vol. 1265 - Correspondência de Macau, Livro 2 (1682-16879). .

Nos finais do século XVII havia, em Macau, apenas vinte e quatro (24) «homens-bons», e desses, somente quinze (15) válidos, embora destes só sete (7) estavam aptos para o governo da Cidade; proprietários de navios eram apenas cinco (5), entre eles os navios de Pero Vaz de Siqueira e de sua cunhada, D. Catarina de Noronha 31 Benjamim Videira Pires, A Vida Marítima de Macau no Século XVIII, Macau, ICM/Museu Marítimo, 1993, pp. 11-14. .

Pela década de 1690 e princípios de 1700, Pero Vaz de Siqueira era o maior armador individual da Cidade, fazendo viagens para Goa e outros portos indianos, Achém, Banjarmassim, Timor e Manila. Em 1702, como a situação de Timor era muito precária, e era de lá que vinha o sândalo, cujo comércio era essencial à sobrevivência de Macau, foi contratado, para socorrer aquele território, o barco Boas Novas e, para o acompanhar, Pero Vaz de Siqueira mandou ainda oseu barco S. Paulo 32 Arquivos de Macau, 3ª Série, Vol. I, Nº 1, Fevereiro de 1964, pp. 19-20. .

Para além das suas actividades comerciais, Pero Vaz de Siqueira aparece ainda como membro do Senado da Câmara, de 1689 a 1698, e, em 1693-94, pertencia também à Mesa da Santa Casa da Misericórdia. De 1698a 1700 foi nomeado Capitão-Geral de Macau, pelo Vice-Rei da Índia, e, uma segunda vez, de 1702 a 1703. Veio a falecer, em Macau no último ano do seu governo (1703) 33 A.M., 3ª Série, Vol. I, Nº 3, Abril de 1964, pp. 201- 215..

Pero Vaz de Siqueira foi uma figura relevante na sociedade macaense, não só no aspecto económico, como político.

Naqueles tempos, os comerciantes independentes portugueses (os casados, a Igreja e os administradores da Coroa) estavam envolvidos no comércio marítimo inter-asiático no Oceano Índico e nos Mares do Sul da China. Tanto os administradores da Coroa (que não tinham o apoio do Tesouro da Coroa, neste tipo de comércio), como os Jesuítas, podiam possuir os seus próprios navios ou agirem como investidores nos barcos dos casados e comerciantes independentes. Embora os outros também pudessem participar (administradores da Igreja e da Coroa), eram os casados que faziam o maior investimento no comércio marítimo inter-regional asiático e, em Macau, todos se dedicavam, directa ou indirectamente, a estas actividades bastante lucrativasa href="#f34" id="t34">34.

Quando o Capitão-Geral era nomeado entre os casados de Macau que já tinham possuído cargos da Coroa, um administrador da Coroa podia, então, ser o maior armador de Macau, como foi o caso de Pero Vaz de Siqueira, em finais do século XVII.

Bibliografia

BOXER, Charles Boxer, Dutch Merchants and Mariners in Asia (1602-1795), London, Variorum Reprints, 1988.
BOXER, Charles Boxer, Francisco Vieira de Figueiredo e os Portugueses em Macassar e Timor na época da Restauração, Macau, Escola Tipográfica do Orfanato Salesiano, 1940.
BOXER, Charles, Francisco Vieira de Figueiredo: a Portuguese merchant-adventurer in South East Asia (1662-1667), Gravenhage, Martinus Nijhoff, 1967.
EMBAIXADA de Portugal ao Japão em 1647: relação Inédita anotada por C. R. Boxer, Macau, Imprensa Limitada, 1928.
GUNN, Geoffrey, Ao Encontro de Macau: uma Cidade-Estado na Periferia da China (1557-1999), Macau, CTMCDP/Fundação Macau, 1998.
LEITÃO, Ana Maria, "Os Portugueses e o termo das relações comerciais com o Japão: tentativas de reaproximação e substituição", in O Século Cristão do Japão, Actas do Colóquio Internacional comemorativo dos 450 anos de Amizade Portugal-Japão (1543-1993), dir. de Roberto Carneiro e Artur Teodoro de Matos, Lisboa, 1994.
LOBATO; Manuel, Política e Comércio dos Portugueses na Insulíndia: Malaca e as Molucas de 1575 a 1605, Macau, Instituto Português do Oriente, 1999.
OLIVEIRA, Fernando Correia de , 500 anos de Contactos Luso-Chineses, Lisboa, Público/Fundação Oriente, 1998.
PIRES, Benjamim Videira, A Vida Marítima de Macau no Século XVIII, Macau, ICM/Museu Marítimo, 1993.
SOUZA,George Bryan, A Sobrevivênciua do Império: Os Portugueses na China (1630-1754), Lisboa, Publicações D. Quixote, 1991.
SEABRA, Leonor Diaz de, A Embaixada ao Sião de Pero Vaz de Siqueira(1684-1686), Macau, Universidade de Macau, 2003.
SEABRA, Leonor de Diaz, Relações entre Macau e o Sião (Séculos XVIII-XIX), Macau, Universidade de Macau, 2014.
SILVA, Beatriz Basto da, Cronologia da História de Macau (Séculos XVI-XVII), Macau, Direcção dos Serviços de Educação, 1992.
SOUZA, George Bryan, A Sobrevivência do Império: Os Portugueses na China (1630-1754), Lisboa, Publicações D. Quixote, 1991.
SUBRAHMANYAM, Sanjay, O Império Asiático Português, 1500-1700: Uma História Política e Económica, Lisboa, DIFEL, 1995.
TEIXEIRA, Manuel, Marinheiros Ilustres Relacionados com Macau, Macau, Centro de Estudos Marítimos, 1988.
TEIXEIRA, Manuel, Vultos Marcantes em Macau, Macau, Direcção dos Serviços de Educação e Cultura, 1982.

Fontes Impressas:

Arquivos de Macau, 3ª Série, Vol. I, Nº 1, Fevereiro de 1964, pp. 19-20. A.M., 3ª Série, Vol. I, Nº 3, Abril de 1964, pp. 201- 215.

Fontes manuscritas

ARQUIVO HISTÓRICO DE GOA
Arch. Vol. 1265 - Correspondência de Macau (1682-1689), Livro 2. Arch. Vol 1210 - Embaixada à China, 1669.
Arch. Vol. 58 - Monções do Reino, vol. nº 51 A. BIBLIOTECA DA AJUDA:
Jesuítas na Ásia, Códice 49-V-24.
Leonor Diaz de Seabra, PhD Maria de Deus Manso, PhD
Universidade de Macau Universidade de Évora
Mapa - "Mainland Monarchies", in D.G.E. Hall - A History of Southeast Asia. London: Macmillan, 1981, p. 189. 34 George Bryan Souza, A Sobrevivência do Império: Os Portuguesesx na China (1630-1754), Lisboa, Publicações D. Quixote, 1991, pp. 62-54.