[Este é um extracto, traduzido grosseiramente, de uma série de artigos em português sobre Macau durante a Segunda Guerra Mundial, escritos aparentemente pelo P. Manuel Teixeira no início dos anos 80.]
Esta cidade que antes da guerra contava uns cem mil habitantes, viu de repente a sua população engrossar para meio milhão. A de Hong Kong, que era dum cilhão, com a ocupação japonesa desceu para 300 mil. Quem veio?
De Hong Kong vieram 2.500 portugueses, muitos ingleses e quase todas as comunidades estrangeiras ali estabelecidas: italianos, alemães, holandeses, franceses, americanos, irlandeses, etc. Ocuparam os teatros, clubes, escolas vagas, a Ilha Verde e até um navio no Porto Interior. Cada refugiado português recebia do río o Governo $30,00 mensais.
Quando os japoneses invadiram a China do Sul, deu-se o êxodo dos chineses para Macau. Infelizmente, de mistura com gente pacifica, vieram também bandos de piratas, que aqui pretendiam continuar as suas proezas, aterrorrizando a gente com assaltos à mão armada, sobretudo durante a noite. Muitas vitimas custou à Corporação Policial a manutenção da ordem pública.
Vieram ainda milhares de cúlis repugnantes e de mendigos esfomeados que se deitavam à beira dos passeios num estendal de miséria. Muitos chegavam cá agonizantes, morrendo horas depois. Ou¬tros ainda resistiam, mas como a fome apertava cada vez mais, morriam de pura inanição uns cem por dia nas vias públicas. O espectáculo mais repugnante era a exposição de crianças esqueléticas que os mendigos compravam para despertar a compaixão dos transeuntes.
Várias vezes, ao passar por essa pobre gente, tentámos dar lhes um pedaço de pão, mas eles não tinham força para o levar à boca, tal era o seu estado de inanição!
Jaziam esses mendigos ao pé de vitrinas repletas de carne assada, bolos e géneros a rescender odores agradáveis que faziam có cegas à pituitária. Pois eles morriam sem deitarem a mão a nada!
De todas as Comunidades Portuguesas no Extremo Oriente, a que mais sofreu foi a de Xangai, onde viviam milhares dos nossos. Quando os japoneses ocuparam Hong Kong, permitiram que os portugueses se refugiassem em Macau, mas os de Xangai tiveram de lá ficar, pois não haviam barcos que os transportassem para aqui. Durante o longo período da guerra, sofreram as passas do Algarve, passando negras horas de aflitiva miséria. A Macau chegaram os seus brados aflitivos, e, apesar da imensa miséria que aqui reinava, organizaram-se concertos, récitas, rifas e subscrições, sendo enviadas para Xangai avultadas quantias através da Cruz Vermelha Portuguesa.
Macau esteve realmente à altura da sua missão quadrissecu-lar de Cidade de Refúgio.
[This is an extract, roughly translated, from a series of articles in Portuguese about Macau during the Second World War, written apparently by Fr Manuel Teixeira in the early 1980s.]
This city, which before the war had some one hundred thousand inhabitants, suddenly saw its population grow to half a million. Hong Kong's population, which had been huge, dropped to 300,000 after the Japanese occupation.
Who came? From Hong Kong came 2,500 Portuguese, many British and almost all foreign communities established there: Italians, Germans, Dutch, French, Americans, Irish, etc. They occupied theatres, clubs, vacant schools, Green Island and even a ship in Porto InteriorMacau's inner harbour. Each Portuguese refugee received $30 a month from the government.
When the Japanese invaded South China, they triggered the exodus of Chinese to Macau. Unfortunately, mingled with peaceful people there also came gangs of pirates who intended to continue their exploits here, terrorising people with armed robberies, especially at night. With this many victims, the Police had a challenge in maintaining public order.
There arrived thousands of pathetic coolies and hungry beggars who lay on the sides of the footpaths in an array of misery. Many arrived here in agony, dying hours later. Others managed to endure, but as hunger progressively overcame them, hundreds a day died of starvation on public roads. Most disgusting was the exhibition of skeletal children bought by beggars to arouse the compassion of passers-by.
Several times, when passing these poor people, we tried to give them a piece of bread, but they didn't have the strength to raise it to their mouth, such was their state! These beggars lay outside displays of roast meat, cakes and foodstuffs emitting pleasant odours that tormented the palate. But they died without anything being put in their hands!
Of all the Portuguese communities in the Far East, the one that suffered the most were the ones from Shanghai, where thousands of our people lived.When the Japanese occupied Hong Kong, they allowed the Portuguese to take refuge in Macau, but those in Shanghai had to stay there, as there were no boats to transport them here. During the long period of the war, they suffered pangs of pain, spending dark hours in distressed misery.Their distressed cries reached Macau and, despite the great misery that existed here, concerts, recitals, raffles and subscriptions were organised, and large sums were sent to Shanghai through the Portuguese Red Cross.
Macau really lived up to its 400-year missionthe Portuguese had had a settlement in Macau for 4 centuries as the City of Refuge.