TUDO PARA TODOS

[Este é um extracto, traduzido grosseiramente, de uma série de artigos em português sobre Macau durante a Segunda Guerra Mundial, escritos aparentemente pelo P. Manuel Teixeira no início dos anos 80.]

À distância de 40 anos, poucos se lembram hoje dum homem que, durante a II Guerra Mundial (1941-1945) organizou uma obra de salvação inter-racial, a qual cobria 35.000 famílias, ou seja, mais de 100.000 pessoas. O arroz é a base da alimentação dos chineses; e durante essa guerra, era o de toda a gente.

O Governo não podia fazer tudo. Surgiu então um homem que, sem polícias, sem assalariados nem empregados, se consagrou totalmente ao serviço da comunidade, realizando uma obra extraordinária.

Esse homem foi o Pe. Vicente Bernardini, S.D.B. Estabeleceu em Mong-há centro de venda de arroz. Mandou um anúncio para um jornal chinês, dizendo que carecia duma barraca e perguntando se os beneficiados queriam contribuir para a sua construção. Não foi preciso mais. Medindo o alcance da obra, todos contribuíram com 10 avos por pessoa. Surgiu a barraca.

A Comissão Reguladora de Importações fornecia o precioso cereal, fixando o preço. A princípio apresentaram-se 7.000 pessoas diariamente à espera da sua ração.

Era um exército. O Pe. Bernardini, bom general, gizou o seu plano sem soldados, nem polícias. Emitiu senhas de 1 a 7.000 e distribuiu o horário: de 1 a 1.000 eram aten¬didos às 7h.a.m.; de 1.001 a 2.000 às 7.30; de 2.001 a 3.000 às 8h; e assim por diante. Em 3 horas, estava o trabalho executado. As 7.000 pessoas eram dividi¬das em batalhões de 1.000 e estes em filas de 100. À frente de cada fila, ficava um "capitão" (não do exército, mas dum simples chinês auxiliar). Estes "capitães" dirigiam os seus grupos e em meia-hora eram atendidas 1.000 pessoas em boa ordem, sem empurrões nem alter[c]ações. O sinal era dado por uma corneta: cada qual levava numa das mãos o dinheiro justo e na outra um saco ou cesto. Os alunos do Orfana¬to, carregados de grandes sacos, iam-nos esvaziando rapidamente, dando a cada um a medida exacta: - 1.000 em meia hora! Como cada batalhão chegava à hora marca¬da, as bichas pouco tinham que esperar. Assim, ao passo que para tudo havia bi¬chas, Mong-há era uma excepção. Qual o segredo? Boa organização.

Mas há mais. Quando faltava arroz nos outros armazéns, jamais faltava no do Pe. Bernardini. Porquê? Ê que, quando havia demais, ele não o distribuía todo, como faziam os outros; guardava o excesso para o tempo das vacas magras.

E ainda não é tudo. Pedia a cada português um avo, 5 ou 10 a mais (confor¬me as posses) para os pobres; em pouco tempo ele podia distribuir pelos pobres $10.00 o proveniente destas contribuições irrisórias.

A organização, a boa ordem, a disciplina, e a caridade fazíam milagres.

EVERYTHING FOR EVERYONE

[This is an extract, roughly translated, from a series of articles in Portuguese about Macau during the Second World War, written apparently by Fr Manuel Teixeira in the early 1980s.]

From a distance of 40 years, few remember today a man who, during World War II (1941-1945), organised a work of interracial salvation which supported 35,000 families, that is, more than 100,000 people. Rice is the basis of Chinese food; and during that war, it was everybody's.

The government couldn't do everything. Then came a man who, without police, without employees, dedicated himself totally to the service of the community, performing extraordinary work.

That man was Fr Vicente Bernardini, S.D.B. [Salesians of Don Bosco] who established in Mong-ha a rice sales centre. He sent an ad to a Chinese newspaper, saying he needed a tent and asking if the beneficiaries would like to contribute to its construction. Nothing more was needed. Measured against the scope of the work, the contributions amounted to 10 cents per person. The tent arose.

The Import Regulatory Commission supplied the precious cereal, setting its price. At first, 7,000 people showed up daily awaiting their ration.

It was an army. Fr Bernardini, a good general, devised his plan without soldiers, without police. He issued tickets numbered from 1 to 7,000 and allotted times: 1 to 1,000 were rostered at 7:00 a.m.; 1,001 to 2,000 at 7.30; 2,001 to 3,000 at 8:00 a.m.; and so on. By 3p.m. the work was done. The 7,000 people were divided into battalions of 1,000 in rows of 100. At the head of each row was a "captain" (not from the army, but from a simple Chinese auxiliary). These "captains" ran their groups and in half an hour 1,000 people were served in good order, without shoving or altercation. A signal was trumpeted: each person carried in one hand the correct money and in the other a bag or basket. The students of the Orphanage, with large sacks, were emptying them quickly, giving each person the exact measure - 1,000 in half an hour! As each cohort arrived at their appointed time, the queues had little to wait. So, whereas elsewhere there were queues for everything Mong-há was an exception. What's the secret? Good organisation.

But there's more. When rice ran short in other warehouses, it was never lacking from Fr Bernardini. Why? Because when there was an excess, he did not distribute it all, as did the others but kept the excess for lean times.

And that's not all yet. He asked contributions for the poor from each Portuguese of one cent, 5 cents, 10 cents or more (as much as each could afford); in no time at all he could distribute to the poor $10.00 from these small contributions.

Organisation, good order, discipline, and charity worked miracles.